A Esperantina dos Quilombolas I

por Gleison Gomes*

Comunidade Quilombola de Esperantina-TO (Fonte da imagem: APATO)

Sou Historiador. Também sou professor. A segunda frase muitas vezes acaba, digamos, e por vários motivos do dia a dia, ofuscando a primeira no sentido mais amplo, o da veia de pesquisa de campo, de “sair” do imaginário dos livros que contam as histórias macro e partir in loco e apalpar essa história viva que se constrói em nossa cidade, bairro, vila, rua e porque não, em nossas casas. 

É possível fazer as duas coisas simultâneas? Sim, mas convenhamos que o sistema dificulta um bocado. Lá vem ele - dirá você, com esse papo de “sistema”. Fazer o quê, já diria o personagem interpretado por Wagner Moura na obra de José Padilha: “o sistema é foda” (Tropa de Elite).

Os parágrafos acima são justificados por minha experiência. Passei um belo tempo fora da ação, do investigador de fenômenos, ouvinte das histórias e causos, entrevistador, o historiador-pesquisador. E como senti saudade.

O despertar, ou estalo, veio a partir de um convite para palestrar numa escola estadual para um evento com a temática “Quilombolas”. Mas ora, que belo tema. O apetite da pesquisa retornou a todo vapor. Então logo pensei, vamos falar o histórico dos quilombos e a trajetória dos africanos no nosso país. Qual o melhor disso tudo? Existem 3 comunidades quilombolas em Esperantina, que prato cheio!

Ideias começaram a fluir. Fui visitar as comunidades: Prachata, Carrapixé e Siriaco. Hora de conversar, ver e ouvir, documentar em vídeo. Comunidades que já estão na região do Bico em sua quarta geração familiar, centenária. E mais, que em 2015 receberam a certificação reconhecida pela parceria Fundação Palmares/INCRA. Vejamos agora, superficialmente, algo do que percebi.

1 - Riqueza cultural que não recebe a devida valorização de nenhuma instância. Só é valorizado o de fora. Parece correto, neste caso a percepção de NIETZSCHE quando o filosofo escreve sobre a necessidade de se distanciar daquilo que sabes conhecer e medir, é preciso que te despeças, pelo menos por um tempo. Somente depois de teres deixado a cidade verás a que altura suas torres se elevam acima das casas” (1999)**. Neste sentido, a grama do vizinho tende a ser sempre mais verde.

2 - Povo ribeirinho, agricultura e pesca. Eis a riqueza “material”. Muitos das comunidades rumaram a profissões da cidade: moto-táxi, cabelereiro, entre outras. Numa das comunidades (Siríaco) um desejo essencial, que chegue energia elétrica. Com a chegada desta, a vida melhoraria substancialmente, quem sabe uma geladeira, água gelada e conservação do alimento e daí um salto para a atratividade de oferecer serviços para um turismo histórico e de divertimento nos rios da região.

3 - Os sonhos são maiores, um posto de saúde, escolas que atendam a demanda das comunidades quilombolas. Um território que chegou a 56 alqueires, hoje diminutos 4, com a certificação pretende-se recuperar as terras de outrora.

4 - Danças como a Súcia (Ou Sússia, Suça) e o Lindô alegram os corações das comunidades.  Corações estes que também afloram por uma religiosidade forte onde cada uma das 3 comunidades possui uma divindade.

No passado, a palavra quilombola chegou a ser descrita como “aquele que foge muito”.  No presente chegou a hora do reembolso, fugir jamais. Quilombola agora é autodefinição, consciência, é aceitar o que de fato a pessoa é.  Eis um aperitivo do assunto principal, nos próximos textos, veremos as comunidades em seus pormenores.
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*Gleison Gomes – Historiador, Professor da Rede Estadual de Ensino do Tocantins.
**Friedrich Nietzsche (Obras Incompletas - Editora Nova Cultural: São Paulo, 1999: pág.133).

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Publicamos o artigo acima num site noticioso do Bico e reproduzo aqui para compilação e acesso conjunto às temáticas propostas pelo blog.

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